Thursday, May 4

 
Deparei com essa idéia no caminho, e lancei mão das primeiras pobres palavras que me vieram, a fim de prendê-la, para que não fugisse de mim. E agora ela morreu devido a essas palavras secas e tremula, nelas pendurada — e já não sei, quando a observo, como pude ter tanta felicidade ao colher esse pássaro.
— Nietzsche, A gaia ciência §298

Oh, que são vocês afinal, meus pensamentos escritos e pintados! Há pouco tempo ainda eram tão irisados, tão jovens e maldosos, com espinhos e temperos secretos, que me faziam espirrar e rir — e agora? Já se despojaram de sua novidade, e alguns estão prestes, receio, a tornar-se verdades: tão imortal já é seu aspecto, tão pateticamente honrado, tão enfadonho! E alguma vez foi diferente? Que coisas escrevemos e pintamos, nós, mandarins com pincel chinês, eternizadores do que consente em ser escrito, que coisa conseguimos apenas pintar? Oh, somente aquilo que está a ponto de murchar e perder seu aroma! Oh, somente pássaros que se fatigaram e extraviaram no vôo, e agora se deixam apanhar com a mão — com a nossa mão! Eternizamos o que já não pode viver e voar muito tempo, somente coisas gastas e exaustas! Apenas para sua tarde eu tenho cores, meus pensamentos escritos e pintados, muitas cores talvez, várias delicadezas multicores, e cinquenta amarelos e vermelhos e marrons e verdes: — mas com isso ninguém adivinhará como eram vocês em sua manhã, vocês, imprevistas centelhas e prodígios de minha solidão, vocês, velhos e amados — maus pensamentos!
Além do bem e do mal §296
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